Freguesia de
Barrô
Igreja de Santa Maria de Barrô após restauro de conservação
Chegou em pedaços como um puzzle, mas renasceu das cinzas como uma Fenix. Teria penas brilhantes, douradas, e vermelho-arroxeadas como estas tábuas entalhadas e policromadas que lhes deram o valor sublime do Barroco. Eis alguns pormenores da nossa Igreja depois da recuperação.
Texto e fotos de Lurdes Pereira
Julho, 2019
Festa de Agosto
Fotografia de Lurdes Pereira
Lugar do Outeirinho
O More Romano – Uma introdução
Entre os
séculos XI e inícios do séc. XII multiplicaram-se as pequenas construções
românicas, ou seja, uma forma de construir à maneira romana. Este “estilo”
entra em Portugal por influência directa da Galiza ou pela importação de
mão-de-obra de origem francesa.
O século XI
decorava-se de Colunas isentas, de Capiteis pesados, de Arcaturas ao longo das
naves (à semelhança de aquedutos romanos), de Abóbadas (efeito de marcação da
paisagem rural com muitos mosteiros ou urbana difundindo-se de casario
circundante. A pedra era trabalhada, talhada, tratada em vez da alvenaria
fazendo rasgar nas fachadas os arcos triunfais de volta perfeita.
Uma das vias
de difusão deste género arquitectónico e de escultura exclusivamente
ornamentada é a promoção, durante o séc. XI, do Caminho de Santiago ou a grande
estrada. França colhe os frutos deste agenciamento religioso e geográfico
sagrado. A Galiza, lugar de chegada e o seu campo de estrelas ou Compostela,
beneficia desta forma de turismo religioso. O românico é trazido por
patrocinadores desejosos de colher os favores de Deus.
Outra via de
penetração foi o disciplinamento do ritual imposto pela reforma gregoriana ou
reforma romana.
A terceira
via de difusão foi a expansão de ordens do novo monasticismo regular que foi
uma estratégia reformista de Roma que se manifesta em regimes de clausura
universal.
Para as
primeiras catedrais restauraram-se dioceses e procede-se à importação de grandes
modelos construtivos de França e Itália do Norte.
Os maiores
edifícios do Românico Rural apresentam três naves com falso transepto. S. Pedro
de Rates, Paços de Ferreira, Tarouca ou Paço de Sousa formam exemplos
portugueses onde as absides e absidíolos são abobadadas.
As mais
pequenas são de nave única, com cobertura de madeira e capela-mor abobadada. S.
Pedro de Roriz, Rio Mau, utilizavam os capitéis da nave, os portais e os
tímpanos para nele incluírem apontamentos escultóricos de temas bíblicos ou
provenientes da religião profana ou cultura popular.
O triunfo
dos símbolos no românico surge por oposição à magreza da representação e da
figuração típicas do período moçárabe ou da arte carolíngia. Uma atitude
própria de uma cultura rural. É um universo infinito de símbolos extraídos por
uns e escondidos por outros a fim de lhes oferecer espessura.
Os níveis de
significação para um episódio podem ser várias:
- Sentido
literal cujos factos narrados podem ter sentido histórico,
- Sentido
tipológico pois que para além do historizado pode também retirar significados
e, em termos de imagem, correspondências,
- Sentido
anagógico pela correspondência das imagens em ideias,
- Sentido
tropológico cujos motivos do tema central do episódio, em abstracto, necessita
de interpretação prévia para se desentranhar o mistério de forma a dele extrair
lições de moral ou edificantes para o mundo dos homens.
Fontes para
esta iconografia
- Livro da
Aves, séc. XII, iluminador e calígrafo desconhecido, concebido para uso dos iletrados.
Cada ave corresponde a um humor, carácter, comportamento ou vício.
-
Testamentum Vetus/ Bíblia de Sta Cruz de Coimbra (BM Porto). As tarjas,
cercaduras e margens do pergaminho integram motivos que se observam nos
capitéis, tímpanos, ombreiras dos portais românicos. Em termos de desenho, as
formas mais representativas são os que dizem respeito às Tábuas de
concordância.
Na
arquitectura, a porta com arcada semicircular, uma sugestão celestial como na
igreja de S. pedro de Ferreira que comporta o primeiro sinal sagrado da Porta
do Céu.
No dintel e
tímpano dos portais consagram-se símbolos ligados à magia: serpentes, laços,
signos, cruzes vazados ou não virados para um mundo laico ou pagão. Outros
assumem sentido teológico e evangélico como: Agnos Dei, Cristo em glória, S.
Miguel, virados para um mundo “cultivado”.
Uma das
formas mais originais que define o More Romano é este contraste com
os portais despidos dos templos moçárabes e carolíngios. A organização da
fachada e a hierarquização funcional e linguística centrada nos portais e
janelões constitui uma das características mais identificadas no More
Romano.
Sistematizando
o simbolismo destacam-se
- Temas
doutrinários – Mitos, cristo e o apostolado, símbolo da peregrinação,
narrativas dos mártires, o tema do guarda do limiar,
- Imagem do
homem – Ciclos dos vícios e virtudes – ligado ao paganismo com cenas
mitológicas, moralistas ou anedóticas
- Imagem da
natureza – Monstros e animais
- Escultura
devocional – esculturas avulso
Temos como
exemplares a Porta sul S. pedro de Rates, S. Cristóvão de Rio Mau, S. Salvador
de Bravães.
O ADN do
românico é marcado por temas muito comuns, sendo o mais usual o das aves a
debicar de significado moralista por se tratar de um ser alado que voa no ar.
Normalmente aparecem duas aves para seguir a linhagem do emparelhamento e
simetrias. As taças representam os bens celestiais, dons de Deus ou outros
significados positivos.
Lurdes Pereira
Para lá chegar consulte o site:
http://www.rotadoromanico.com/vPT/Monumentos/Monumentos/Paginas/IgrejadeSantaMariadeBarro.aspx?galeria=Fotografias®iao=Resende&monumento=Igreja%20de%20Santa%20Maria%20de%20Barr%C3%B4&categoria=&TabNumber=0&valor=/vPT/Monumentos/Monumentos/Paginas/IgrejadeSantaMariadeBarro.aspx&guid={56602F4B-2770-484C-B9C8-F8CC103050C3}
http://www.rotadoromanico.com/vPT/Monumentos/Monumentos/Paginas/IgrejadeSantaMariadeBarro.aspx?galeria=Fotografias®iao=Resende&monumento=Igreja%20de%20Santa%20Maria%20de%20Barr%C3%B4&categoria=&TabNumber=0&valor=/vPT/Monumentos/Monumentos/Paginas/IgrejadeSantaMariadeBarro.aspx&guid={56602F4B-2770-484C-B9C8-F8CC103050C3}
Igreja de
Barrô Esta belíssima igreja, de um românico tardio, (século XIII), foi
classificada como Monumento Nacional em 1922. A torre sineira, nitidamente
desfasada, é obra muito posterior, datada do século XVII. O corpo principal da
igreja detém um pórtico lateral, de arco apontado, decorado com um alfiz em
xadrez, assente em impostas de tímpano cego, bastante parecido com os pórticos
principais das igrejas de Almacave; S. Martinho de Mouros e Ermida do Paiva.
Tal facto deve resultar da influência e proximidade desses templos bem mais
antigos.
Igreja Nossa Senhora da Assunção - sta. Mª de Barrô
Embora possamos remontar ao século XII a fundação da Igreja de Barrô
como igreja particular de Egas Moniz (c. 1080-1146), o Aio, que lhe veio às
mãos por doação real, nada sabemos sobre o que então se edificou, transformou
ou se apenas foi dada continuidade ao culto, praticado, talvez, num templo já
existente.
Egas Moniz foi tenente de São Martinho de Mouros, pelo
menos, entre os anos de 1106 a 1111 e governador da região de Lamego entre
1113-1117 - e talvez até mais tarde.
Tendo conseguido afirmar-se politicamente no reino em construção, Egas
Moniz, dos de Ribadouro, fez copiosas dádivas a institutos religiosos, sendo de
destacar o Mosteiro de Paço de Sousa (Penafiel), onde se fez sepultar.
É, pois, neste contexto que devemos entender a doação do padroado da
Igreja de Barrô feita por D. Sancha Vermudes, nora de Egas Moniz, à Ordem dos
Hospitalários, em 1208, conforme nos noticiam as Inquirições Gerais de D.
Afonso III (1248-1279) feitas ao concelho e julgado de São Martinho de Mouros,
datadas de 1258: quando questionado, Egas Mouro esclareceu os inquiridores que
a Igreja de Santa Maria de Barriolo era dos frades hospitalários que
apresentavam na dita igreja. E perguntado sobre a obtenção de tal padroado,
respondeu que fora da parte de D. Sancha Vermudes. E muitos outros disseram
algo semelhante.
Por outro lado, segundo outro testemunho, o de Pedro Gonçalves,
a villa de Barriolo era toda do Mosteiro de Paço de Sousa (Penafiel).
Ou seja, cruzavam-se aqui, portanto, vários interesses (igreja e território),
embora entre todos houvesse uma ligação comum ao património da linhagem dos
Gascões, de onde provinha Egas Moniz, dito o Aio.
Aqui, nas margens do Douro, acreditava-se existirem vestígios de uma
ponte mandada executar por uma das régias Mafaldas. Desta tradição
faz eco o vigário José Mendes de Azevedo, referindo os vestígios de pilares em
ambas as margens, nomeadamente na oposta freguesia de Barqueiros.
Lurdes Pereira
A Igreja de soslaio e o poente da casa da Comenda
Frontaria da Igreja de Barrô com a fachada da casa da Comenda virada a Sul.
A Casa da Comenda era, no passado o paço da Igreja. Ainda hoje conserva no muro vestigios da passagem directa para a igreja.
A rosácea simples composta por um circulo central abraçada por oito semi-circulos. As arquivoltas exteriores que circundam a rosácea assentam em colunas de fustes simples e capitéis coríntios simplificados com formas vegetativas.
A torre da Igreja, muito posterior contracena no conjunto do românico.
Nicho virado a Sul.
A porta principal encimada por um dos mais belos exemplares de tímpanos vasados da região.
Casa e Quinta da Comenda em Barrô
Fotos de Lurdes Pereira
Em Portugal, a Ordem de Malta é extinta por diploma de 30 de Junho de
1834 tornando extensível às Ordens Militares o Decreto de 30 de maio do mesmo
ano que extinguiu os conventos religiosos e os seus bens foram incorporados na
Fazenda Nacional.
São Pedro de Barrô, antiga Barriolu, em documento do ano de 957, (mais
antiga referência documental à terra de Barrô) forma um capítulo à parte da
história de S. Martinho de Mouros a cujo termo sempre pertenceu, até ser
extinto em Outubro de 1855.
Terra de El-Rei, foi doada por D. Afonso Henriques a D. Egas Moniz e
seus sucessores, e destes passou à Ordem de S. João do Hospital, vindo a
constituir-se uma das mais ricas comendas.
A Comenda de S. João do Hospital de Jerusalém, ou Comenda de Barrô,
como vulgarmente era conhecida, surgiu em Barrô no ano de 1208, graças à doação
outorgada por Dona Sanches de Vermudes, viúva de Dom Soeiro Viegas e que
incluía igualmente o padroado da Igreja.
“… Dom Sueiro Veegas, filho de dom Egas Moniz de Riba do Douro,
casou com dona Sancha Vermui, filha de dom Vermuu Pires, que foi irmão de conde
de Trastamar e da infante irmã d´el rei dom Afonso, o primeiro e feje em ela
dom Vermu Soares e dona Tareja Soares e dom Lourenço Soares…”
in Portugaliae Monumenta Histórica, livros velhos de linhagem.
Notas de Serafim Barbosa
A Quinta da Comenda, bem como a Igreja Matriz de Barrô, pertencera no
séc. XII a D. Egas Moniz.
Herdada por seu filho D. Soeiro, a esposa deste, já viúva, doou-a à
Ordem Militar de S. João do Hospital, que fora introduzida no reino no
princípio do séc. XII.
A Casa da Comenda (hoje totalmente alterada) era o Paço dos
comendadores.
De comendadores, tenho notícia de Frei Gaspar Dias da Fonseca que, no
ano de 1594, renovou um prazo na quinta do Outeiro, e de D. José de Melo e
Tovar Noronha e faro, filho de Luis de melo e macedo, senhor da Casa de Porto
de Rei e da de S. Gonçalo da Ribeira e Capitão do regimento de Abrantes, de
1808 a 1814.
Suponho que a quinta foi nacionalizada pelos governos liberais em 1869
e vendida depois em hasta pública a particulares.
Ainda há quem tenha ouvido falar de uns senhores Lacerdas, vindos do
Brasil, que reconstruiram a Casa da Comenda tal como hoje se apresenta.
In DUARTE, Joaquim Correia, Resende e a sua história, volume 2: As
freguesias, pgs. 146/147
Porém, este ciclo só terminou quando a Santa Casa da Misericórdia
vende a propriedade a Joaquim Pinto Cardoso que, por sua vez, vendeu aos
actuais titulares do imóvel, Miguel e Ana Saavedra.
A página de internet da Quinta da Comenda de S. Pedro do Sul diz o
seguinte:
"HISTORIAL
A Casa da Quinta da Comenda, era a Casa Mãe da Comenda de Ansemil, que
possuía vários Coutos, espalhados pelas Beiras, nomeadamente em Tarouca,
Figueira da Foz, Coimbra, Águeda etc... e em S. Pedro do Sul, o Couto da Coja,
incluía o que hoje constitui as povoações de Outeiro da Comenda, Lourosa da
Comenda, Bodiosa, Mães e Vila Maior, onde, nesta última se situava a tulha da
Comenda que recebia os tributos de todos aqueles Coutos.
Antes da fundação da nossa nacionalidade (1143), Dona Teresa, Mãe do
1º Rei de Portugal, D. Afonso Henriques, doou a Comenda a seu irmão D. Raimundo
que por sua vez, a doou à Ordem de Malta que se tinha acabado de instalar neste
canto da Europa, sendo D. Henrique, filho natural de D. Afonso Henriques o seu
1º Grão-Mestre, cujos cavaleiros tanto ajudaram D. Afonso Henriques na
reconquista contra os mouros. (…).
A Ordem de Malta, guerreira e hospitalária, situada na Quinta da
Comenda, tratava e albergava cavaleiros que se deslocavam a caminho de
Jerusalém, via Ilha de Malta, pela estrada romana que passava pela Quinta da
Comenda, atravessando o rio Trouxe pela ponte romana aqui existente, em
direcção a Lérida, para sofregarem os lugares sagrados.
Desde estas remotas datas até à época do Marquês de Pombal pertenceu
sempre a Quinta da Comenda à Ordem de Malta até que em 1755 por decreto de
expulsão das ordens religiosas, o Marquês de Pombal a ofereceu ao Porteiro-Mor
do reino e passou a pertencer a descendentes da coroa até 1958, data em que
passou a ser pertença de particulares".
Marinho Borges no seu blogger diz o seguinte:
"A freguesia de Barrô foi, em 1208, constituída como Comenda a favor da
Ordem de S. João do Hospital de Jerusalém (ou de Malta). A Casa (e a Quinta) da
Comenda era a sede e o paço onde residiam os comendadores, encarregados de
receber os dízimos da freguesia e os rendimentos da comenda, para entrega
àquela ordem religiosa militar. Com a extinção desta em 1834,
a quinta foi nacionalizada e vendida em hasta pública. Tudo leva a crer
que o romance As Meninas da Comenda do P. Dr. Joaquim
Correia Duarte se baseia em factos históricos aqui ocorridos, já que
a comenda a que alude também foi instituída por D. Sancha Vermudes (nora de D.
Egas Moniz)".
Esta quinta foi adquirida há cerca de 30 anos por Miguel Gomes
Dinis Saavedra. Com 12 hectares foi totalmente remodelada, produzindo
cerca de 35 pipas de vinho do Porto. É aqui referida pelos seus pergaminhos e
por ser a maior de Barrô.
As paisagens da quinta
O armazém da quinta onde no passado recebia as comendas.
Porta poente da quinta
Barrô - Lugar da torre
Lagar cavado na rocha
16-09-2017
Fotos de Lurdes Pereira
Barrô - Alminhas da Calçada Medieval
11-09-2017
Imagens: Lurdes Pereira
Texto: Lurdes Pereira
Barrô. As "Alminhas da Calçada" encontram-se cravadas no muro da Quinta da Comenda, na rua Caçada da Igreja que inicia junto à Igreja Paroquial de Barrô em direcção a Vilar. O conjunto, encimado por uma cruz, contempla um pequeno painel de azulejo policromático com tema de sofrimento das almas do purgatório. No mesmo podemos ler: “Vós que ides passando, lembrai-vos de nós que vamos penando”. Segundo a obra "Resende e a sua história" Vol II, de Joaquim Correia Duarte, as ditas "Alminhas da Calçada" sugerem o convite à oração e esmola, pois no mesmo conjunto existe um género de altar e sob este, uma espécie de caixa onde se depositariam as esmolas.
Lurdes Pereira
Os painéis de azulejos com as almas do purgatório
Barrô. Na EN 222
Tanque em Vilarinho
Barrô, Pôr do Sol
Fotos de Lurdes Pereira